A proximidade da Páscoa nos remete a dias de reflexão sobre a data, que celebra a morte e ressurreição de Cristo. A cada ano, vemos grandes demonstrações de fé no Brasil e em diversos países, com procissões, missas e momentos de introspecção.
Toda semana nosso blog foca em artigos sobre ciência e finanças, temas muito distantes de fé e crenças religiosas. Enquanto a ciência e as finanças se baseiam na razão, em dados, testes e observações, a fé lida com experiências subjetivas, valores, moral e mistério. A ciência estuda “como” alguns fatos acontecem, buscando respostas para perguntas como “de que modo surgiu o Universo?”, “como funciona o corpo humano?” e “como curar uma doença?”. A fé, por sua vez, foca no “porquê”: por que existimos? Qual o sentido da vida? Existe algo além da morte?
Apesar de adversos, fé e ciência não necessariamente se excluem. Ao contrário, pode haver espaço para convivência e diálogo. Quando cada uma permanece em seu campo, podem coexistir sem conflito. A ciência e a fé podem se unir, por exemplo, para cuidar da natureza, defender os pobres e construir fraternidade.
A fé pode ser uma ponte para se manter conectado com entes queridos e trazer vários benefícios para a saúde. Alguns estudos mostram que ter fé melhora a saúde mental e física, a qualidade de vida e a esperança. Ela pode ajudar a enfrentar dificuldades e a encontrar um propósito na vida.
Entre outros benefícios, ter fé diminui a ansiedade e a depressão, melhora a saúde física, diminui o risco de morte precoce, de diabetes, doenças cardiovasculares, respiratórias, infartos, insuficiência renal e acidente vascular cerebral. A fé proporciona, ainda, conforto emocional, orientação e sentimento de pertencimento. Quem tem fé melhora sua autoestima, o bem-estar, incentiva ações altruístas e solidárias. Tudo isso nos ajuda a passarmos por momentos difíceis e penosos.
Por fim, podemos citar alguns benefícios espirituais de ter fé, como encontrar um significado e um propósito maior no mundo, ter uma vida mais leve e estabilidade emocional. Em suma, a fé nos ajuda a ter esperança no futuro.
Um exemplo emblemático da convivência entre fé e ciência foi o padre Georges Lemaître. Astrofísico belga e católico, ele propôs a teoria do “átomo primordial” em 1927, que mais tarde seria conhecida como Teoria do Big Bang. Segundo informações da Nasa, a teoria consiste na ideia de que o universo começou em um único ponto, um aglomerado de pequenas partículas quentes misturadas com luz e energia, nada parecido com o que vemos hoje.
Ainda seguindo a teoria, em algum momento esse aglomerado começou a se expandir e a se esticar. À medida que as partículas se expandiam e esfriavam, criavam novos grupos que, com o tempo, se transformariam nas primeiras estrelas e galáxias.
Lemaître acreditava que não havia conflito entre sua fé e sua pesquisa científica. Para ele, a ciência explicava como o universo evoluía, enquanto a fé oferecia sentido e propósito. Curiosamente, quando o Papa Pio XII tentou usar o Big Bang como prova da criação divina, Lemaître pediu cautela, por defender que a ciência não deveria ser usada para comprovar dogmas religiosos.
Em junho de 2024, ao receber cientistas para uma conferência em memória do padre Georges Lemaître, o Papa Francisco, afirmou que a ciência, as crenças e as tradições espirituais evidenciam a conexão entre todos nós e com o resto da criação. Na ocasião, Francisco enfatizou a teoria de Lemaître, ao afirmar que “a criação e o big bang são duas realidades distintas”. O Papa concluiu dizendo que Deus “não pode ser um objeto facilmente categorizado pela razão humana. (…) Fé e ciência podem se unir na caridade, se a ciência for colocada a serviço dos homens e mulheres de nosso tempo”.
Apesar de algumas tensões, existem iniciativas que buscam o diálogo. A PUC – Pontifícia Católica do Rio de Janeiro e a UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, por exemplo, têm núcleos de pesquisa que tratam de ciência e espiritualidade.
O físico brasileiro Marcelo Gleiser é outro exemplo de cientista que discute abertamente espiritualidade com rigor científico. Para ele, o mistério e a dúvida fazem parte tanto da ciência quanto da fé. Entre as ideias que Gleiser defende, estão os limites do conhecimento científico e a humildade diante do desconhecido.
O cientista argumenta que a ciência, embora poderosa, tem limites. Para ele, questões fundamentais, como a origem do universo, o propósito da existência ou a consciência, talvez nunca sejam plenamente respondidas apenas com a ciência.
Gleiser acredita também que a ciência deve ser praticada com humildade e reconhecer o vasto desconhecido. Para ele, tanto a ciência quanto a espiritualidade nascem do mesmo impulso humano: a curiosidade e o desejo de compreender o mundo e o lugar que nele ocupamos.
O cientista critica o “cientificismo”, ou seja, a crença de que somente a ciência pode produzir conhecimento verdadeiro, que vê como uma forma de dogmatismo. Ele acredita que o cientificismo pode ser tão rígido quanto certas formas de fé religiosa.
Embora não siga uma religião específica, Gleiser vê valor na fé como uma forma de conexão humana com o mistério da existência. Ele não defende dogmas, mas respeita o papel cultural, emocional e até filosófico da fé na vida das pessoas.
Em 2019, Marcelo Gleiser venceu o Prêmio Templeton, considerado o “Nobel da espiritualidade”. Essa é uma das mais importantes láureas internacionais, com foco na espiritualidade e na busca de sentido. O pesquisador foi reconhecido por “mostrar que ciência e espiritualidade são aliadas na busca por significado”.
Como vimos, ciência e fé não precisam ser inimigas. Quando respeitam seus campos de atuação e dialogam com abertura e humildade, podem proporcionar experiências enriquecedoras. Afinal, entender o mundo e encontrar sentido para a vida são buscas humanas legítimas — e talvez até complementares.
Que possamos todos ter uma FELIZ PÁSCOA!
Fontes:
– Instituto Humatas Unisinos. O Papa: a fé e a ciência podem se unir na caridade. Por Mariangela Jaguraba, publicada em 20 JUN 2024. Disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/640585-o-papa-a-fe-e-a-ciencia-podem-se-unir-na-caridade.
– Jornal Estado de Minas, Economia. Ciência comprova os benefícios da Fé para o corpo, mente e coração. Publicado em 18 FEV 2020. Disponível em https://cancerperitoneal.com.br/tratamento-com-quimioterapia-pressurizada-intra-peritoneal-aerossolizada-pipac/
– Revista National Geographic. O que foi o Big Bang. Publicado 19 OUT 2022. Disponível em https://www.nationalgeographicbrasil.com/espaco/2022/10/o-que-foi-o-big-bang#:~:text=A%20teoria%20do%20Big%20Bang,expandir%20e%20a%20se%20esticar.
– Revista VejaFísico Marcelo Gleiser é o primeiro brasileiro a vencer o prêmio Templeton. Publicado em 19 MAR 2019. Disponível em https://veja.abril.com.br/ciencia/fisico-marcelo-gleiser-e-o-primeiro-brasileiro-a-vencer-o-premio-templeton .