Os desafios da Inovação

A inovação é um tema que vem sendo amplamente discutido, estudado e aplicado nos últimos anos. Autores da administração, cientistas, pesquisadores, profissionais, empreendedores e estudantes têm demonstrado grande interesse no tema, o que é refletido na crescente quantidade de publicações, pesquisas e iniciativas voltadas para a inovação. Esse interesse é motivado por uma série de fatores, como a crescente complexidade do mundo, a rápida evolução tecnológica e a necessidade de se encontrar novas soluções para os desafios do século 21.

Mas, por que a inovação nos parece sempre tão atraente? Talvez porque haja instintivamente, uma percepção, por vezes, inconsciente ou não, de que a inovação trará vantagens competitivas, maiores ganhos, e que será possível alcançar uma posição de destaque e ou vantagem em relação aos competidores. Ou para aqueles que são altruístas, a inovação proposta irá contribuir para melhorar a vida das pessoas. Essas são premissas congruentes, pois em muitos exemplos e estudos de casos há situações e implementações de inovações quer sejam em processos ou em produtos absolutamente exitosas.

Mas, como nada na vida tem só vantagens, há também aquelas agruras no campo da inovação e em muitas destas há elementos que competem a favor, ou contra as implementações inovativas, considera-se como exemplo, a influência do RPV (Recursos, Processos e Valores) sobre as experiências relacionadas a inovação.

Encontra-se descrito na literatura especializada sobre o tema da inovação hipóteses, teses e estudos de casos que mostram o poder destas influências que desaceleram ou mesmo impedem que certas inovações aconteçam, e um dos grandes autores é o Professor de Havard, Clayton M. Christensen, que traz em sua publicação “O Dilema da Inovação” [1], uma visão clara de vários aspectos que podem ou não influenciar na tomada de decisão de uma organização, quando esta quer investir em um projeto de inovação.

Quanto ao RVP, para melhor entendimento sobre o tema, obviamente, para aqueles que já são autossuficientes no tema da inovação, não há novidade no que está sendo abordado, mas muitos que acessaram os conteúdos, estão ávidos na busca informações e conhecimento, então, talvez seja possível contribuir com este público.

Quando uma organização quer implementar uma inovação ela primeiramente precisa se perguntar em qual destes três pilares Recursos, Processos ou Valores, repousam suas competências, como ensina C.M. Christensen, pág. 220:

“Três classes de fatores afetam o que uma organização pode e não pode fazer: seus recursos, seus processos e seus valores. Ao se perguntarem que série de inovações provavelmente suas organizações são ou não capazes de implementar com sucesso, os gerentes podem aprender muito sobre as capacidades desagregando suas respostas nestas três categorias.”

Focando nos Recursos, estes são facilmente detectáveis, pois trata-se de pessoas, equipamentos, tecnologia, projetos de produtos, marcas, informação, dinheiro e relacionamento com fornecedores e clientes. Ou seja, estamos falando de materiais ou ativos, que mais facilmente pode-se controlar e tomar decisões quanto a compra ou não, admitir algum colaborador valoroso que ajudará a implementar um projeto, a implementação de uma nova tecnologia ou a melhoria da tecnologia existente. E como ilustrado por C.M. Christensen, pág. 221:

“Recursos são os elementos que os gerentes identificam mais instintivamente ao avaliar se suas organizações podem implementar com sucesso as mudanças que enfrentam.”

No entanto, quando direcionado o olhar para os outros dois pilares do RPV, as coisas não são tão fáceis, considerando o que ocorre com os Processos, por exemplo. Estes existem nas empresas para que os empregados possam realizar tarefas de forma repetitiva e com o mínimo de erros aceitáveis, ou seja, são procedimentos adotados para que produtos e serviços ofereçam um padrão de qualidade aos seus clientes, e assim, a “liberdade” criativa não encontra muitos espaços neste ambiente. E com isso, não está sendo dito que não há espaço algum para a liberdade criativa, mas quando ela acontece exige do proponente um esforço hercúleo de convencimento de toda uma cadeia hierárquica, e a proposição estará sujeita a críticas e avaliações de resistências e não de contribuições evolutivas. Portanto, enfrentar estas barreiras exige que o proponente tenha muita vontade e apresente muitas vantagens a organização, e se esta estiver calcada em capacidades financeiras, quer seja, uma empresa que está habituada a trabalhar com altas margens de lucro, e esta inovação no processo não oferece margens maiores e ainda mais atraentes, esta iniciativa ou inovação, se, de ruptura, está fadada ao arquivamento.

Pois, é bom lembrar que uma inovação de ruptura ou inovação radical pressupõe um produto mais simples e de menor custo, como nos mostra, C.M. Christensen, pág. 26:

“O último elemento da estrutura de falha – a conclusão por parte das empresas estabelecidas de que investir agressivamente em tecnologias de ruptura não é uma decisão financeira racional – tem três bases. Primeira, os produtos das tecnologias de ruptura são mais simples e mais baratos; eles prometem geralmente menores margens de lucro, e não o contrário. […] De modo geral, uma tecnologia de ruptura é inicialmente adotada por consumidores de menor lucratividade no mercado. Portanto, a maioria das empresas com disciplina prática de ouvir seus melhores clientes e identificar novos produtos, que prometam maior lucratividade e crescimento, raramente é capaz de estabelecer condições para o investimento em tecnologias de ruptura, até que seja muito tarde para isso.”

Portanto, para os gerentes de qualquer organização esta não é uma tarefa fácil, principalmente quando há o receio de ter associada à sua imagem a um projeto fadado ao fracasso. Deste modo, se uma organização tem seu pilar de Processos tão arraigado em bases financeiras, estes modus operandis são tipicamente inflexíveis e configuram incapacidades sérias na maioria das organizações.

Por fim, os Valores das empresas, este pilar que é fundamental em qualquer tentativa de desenvolvimento e ou incorporação de uma inovação de ruptura.

Os Valores refletem como uma organização elenca suas prioridades, tendo como exemplo uma empresa que tenha como valor mais contundente a lucratividade, este valor será disseminado dentre os vários níveis da corporação e as decisões nos níveis abaixo ou acima serão pautados pelo aspecto da lucratividade, por exemplo, considerando que haja um estoque a ser destruído, que por si só, numa organização pautado em lucratividade será sempre um desconforto ter que justificar as razões para tal fato, e sendo este valor tão forte e contundente na organização, mesmo para executá-lo o gerente, e os seus liderados buscarão alternativas de menor custo neste processo, pois o impacto financeiro já é relevante, uma vez que já causou danos ao patrimônio da empresa. Ou quando um projeto não apresenta margens de lucro em linha ou acima do score de lucratividade estabelecido pela organização, se uma empresa define por sua estrutura de custos que precisa que seus produtos apresentem minimamente lucro da ordem de 35%, qualquer projeto que ambicione margens de lucro abaixo deste patamar sequer será avaliado, ou se avaliado, será fortemente rechaçado. Pois como mostra C.M. Christensen, pág. 223, este Valor quando prioritário definirá a tomada de decisão:

“Valores claros, consistentes e amplamente compreendidos, contudo, também definem o que uma organização não pode fazer. Os valores de uma empresa, por necessidade, devem refletir sua estrutura de custos ou seu modelo de negócio, porque isso define as regras que seus funcionários devem seguir para que a empresa ganhe dinheiro.”

Deste modo, pode-se entender que a inovação de ruptura enfrenta muitos percalços para que consiga se estabelecer. Ou seja, muito se fala de inovação, mas ainda há uma grande resistência das organizações em entender e adaptarem seus modelos de negócios para que sejam capazes de dar um passo à frente rumo a esta inovação, não bastando o ímpeto para fazê-lo, mas dar este passo no tempo correto, e alinhado com suas ambições de negócios.

E como mostra o repetido autor, C.M. Christensen, quando detecta-se as capacidades que há no modelo RPV, também saltam aos olhos as incapacidades presentes, e a análise destes fatores, capacidades e incapacidades, é que devem ser verificadas para a tomada de decisão mais assertiva.

Muitas organizações ao realizarem de forma franca e honesta suas avaliações chegaram a decisões mais alinhadas ao propósito do negócio, reconhecendo o que podem ou não podem fazer, e assim, decidirem se as competências que possuem favorece a implantação da inovação de ruptura dentro da estrutura existente ou se será necessário a realização de um spin off ou spin out, e uma vez definido que a inovação de ruptura será levada a cabo em uma organização mais “enxuta”, ou seja, uma nova entidade que possua maiores habilidades para simplificar, custar menos, ter condições de competir em mercados emergentes.

O avanço do mundo moderno se deu através de inovação de ruptura, e continuamos ávidos por seguirmos no ciclo infindável da inovação de ruptura, e com licença poética, vamos parafrasear Fernando Pessoa, “Inovar é preciso, viver não é preciso!”


[1] Christensen, Clayton M. – O Dilema da Inovação: Quando as Novas Tecnologias Levam Empresas ao Fracasso, 2012 – São Paulo – M. Books do Brasil Editora Ltda

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